Alex Eberle e Ivo Gasparin

Alex Eberle e Ivo Gasparin

Parla Talian

Ivo Gasparin - Graduado em Filosofia e Pós-graduação em Letras, Ivo Gasparin é professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Com o pseudônimo de Tóni Sbrontolon, é colunista e autor. Dentro da música, destacou-se como fundador e componente do Grupo Ricordi.

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‘La Prima Semensa’ –  A Primeira Semente* (continuação)

Assim passavam os dias: conversando, fazendo planos, jogando cartas.

Assim se passaram 59 dias entre o céu e o mar. Com dias de sol, dias de chuva, dias de serenidade e dias de tormentas. A comida era pouca e medida. A água que tinham para tomar estava numa pipa e todos iam saciar sua sede diretamente na torneira, pois não tinham copo. Como Antônia era ainda muito pequena e a torneira ficava alta, a vó Assunta ia lá na torneira, enchia a boca de água e a despejava na boca na menina. Verônica ficava comovida com esse gesto:
– Varda a nona! No la par mia un ozeleto ndrio darghe de magnar a i fioleti? (Olha a vó, não parece um passarinho dando de comer aos seus filhotinhos?)
À noite, muitas famílias faziam grupos separados a rezavam o terço. Aos domingos, as orações eram mais intensas com cantos sacros e entoavam até as ladainhas em latim.
Assim passavam os dias: conversando, fazendo planos, jogando cartas. Mas os dias mais tristes não eram quando ocorriam tempestades, era quando morria alguém. Para Carlo, o dia mais triste foi o dia em que morreu a irmã de seu amigo inseparável, Francesco Basso, vitimada pela febre amarela. Colocaram-na dentro de um saco e a jogaram no mar, como faziam com todos os que ali morriam. O que aconteceu para Verônica foi muito mais marcante. Sua amiga, Paulina, que estava já de oito meses, teve seu bebê numa noite de turbulência, porém, devido às más condições, o bebê morreu e, no amanhecer do dia seguinte, depois de uma cerimônia simples feita pelo capitão, foi jogado ao mar, enrolado num lençol branco. 
Chegando ao Rio de Janeiro, tiveram talvez a pior das surpresas; os 1.200 imigrantes deveriam abandonar o ‘Garibaldi’ e embarcar em outro vapor brasileiro, uma velha carcaça, denominada ‘Calderon’, que os levaria ao Rio Grande do Sul, em companhia de outros imigrantes desembarcados do vapor ‘Itália’. Se as condições de vida no ‘Garibaldi’ eram ruins, no ‘Calderon’ tornaram-se muito piores. 
Ao meio-dia estavam todos a bordo do novo vapor junto aos que tinham chegado. Quase todos tiveram que descer aos porões. Ali foram acomodados desordenadamente, sem leitos e sem repartições para as famílias. Pensavam no incerto futuro e olhavam-se silenciosamente.
À noite, deitavam sobre o duro pavimento, em todas as direções. As vezes ouvia-se uma voz de mulher recitando o rosário, outra que procurava aquietar uma criança que as picadas dos piolhos não deixavam dormir, outros, com tocos de vela, perambulavam pelo porão escuro.
– Dio Santo, Carlo, gò tanta paura de perder el nostro tatin! (Santo Deus, Carlo, tenho tanto medo de perder o nosso bebê!) 
– Nò, Verônica, nò... Adesso nò! P’amor de Dio!... Coraio che ghe manca poco! (Não, Verônica, não... Agora não! Pelo amor de Deus!... Coragem que falta pouco!)
Verônica continuava em suas intermináveis e silenciosas orações.

* 4º Capítulo. O Jornal O Florense publica desde março, dividido em oito capítulos, o conto vencedor do Concurso Literário 2015, de autoria do professor, escritor e músico Ivo Gasparin. A obra é baseada em fatos e depoimentos reais dos livros ‘Entre o passado e o desencanto’ e ‘Cozì vive i Taliani’.